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Inflação não é uma questão local: países da América Latina sofrem com alta de preços

Inflação não é uma questão local: países da América Latina sofrem com alta de preços

Entenda o cenário de inflação na América Latina e os fatores que o influencia.

Paula Reis
Content Creator
14/6/23

Se a alta dos preços começou a doer no seu bolso, com certeza você já se pegou tentando entender o motivo ou até mesmo encontrar um culpado para os itens do nosso dia a dia, como o cafezinho, leite e grãos, terem subido tanto.

A grande questão é que a disparada da inflação pós pandemia não foi ocasionada por um fato isolado e também não é um problema somente do nosso país. Para entender este movimento global, vamos retornar alguns anos.

Em 2020, muitos países latino-americanos experimentaram uma desaceleração econômica acentuada devido às restrições de mobilidade durante a pandemia do COVID-19, que causou o fechamento de empresas e a diminuição da demanda. Isso levou a uma queda na demanda agregada. Ainda, em alguns países houveram pressões inflacionárias decorrentes da desvalorização cambial e do aumento dos preços de produtos importados além dos impactos econômicos causados pelas medidas de contenção e dos estímulos fiscais adotadas por cada governo.

Em 2021 tivemos uma recuperação gradual da atividade econômica em muitos lugares à medida que as restrições foram relaxadas. No entanto, persistiram alguns desafios, como o aumento dos preços das commodities — especialmente os alimentos e a energia, que tiveram impactos inflacionários com o início do conflito entre Rússia e Ucrânia.

Vários países enfrentaram pressões inflacionárias durante esse período devido a uma combinação de fatores, como a desvalorização cambial, o aumento dos custos de produção, a escassez de produtos e os problemas relacionados às cadeias de abastecimento globais. Esses fatores contribuíram para os aumentos nos preços ao consumidor em alguns setores.

A divulgação em abril de 2023 do índice de Inflação ao Consumidor (IPC) nos últimos 12 meses nos mostra o índice de cada país latino-americano e apresenta algumas similaridades e discrepâncias em alguns casos.

Fonte: Trading Economics

A Bolívia driblou a inflação que atinge o nosso continente, apresentando até deflação quando observamos o acumulado do primeiro trimestre de 2023. Isso ocorreu porque o país disponibilizou subsídios governamentais generosos que seguraram o preço da gasolina em torno dos US$ 0,50 por litro enquanto o mundo todo sofreu com o aumento dos combustíveis e o seu impacto nos alimentos e em outros setores.

Apesar dos custos do petróleo ainda dispararem nos mercados internacionais, o monopólio estatal garantiu a distribuição de gasolina no país e absorveu totalmente o impacto ao não adotar o preço subsidiado.

O Brasil teve um árduo trabalho quando também viveu o descontrole dos seus índices inflacionários, com um nível de IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 10,06% no ano de 2021, e encarou um ciclo de alta da taxa básica de juros a passos largos — dos históricos 2% a.a. para os atuais 13,75%. Mesmo assim, em 2022 os brasileiros não viam a inflação reduzindo em sua rotina justamente pelo cenário macro, onde a inflação é ocasionada por diversos motivos e não somente pelos fatores internos. 

A nova política de preços da Petrobrás, que foi divulgada neste mês de maio/2023, começa a puxar os índices dos preços brasileiros ainda mais abaixo, já que agora a prioridade para a formação dos preços é o custo alternativo do cliente e o valor marginal da Petrobras, o que evita repasses da volatilidade dos preços internacionais e do câmbio. 

O IGP-DI (Índice Geral de Preços/Disponibilidade Interna) recuou 2,33% em maio, tendo a maior queda desde 1947. Porém, este índice não será utilizado para fins comparativos com os demais países da América Latina, pois alguns bancos centrais ainda divulgarão a inflação fechada de maio. Para uma análise mais justa, trabalharemos com os dados de abril de 2023.

Com esta manobra, as expectativas do mercado para o IPCA já foram ajustadas com redução para 2023 e 2024, e o PIB tem expectativas para cima em 2023 e 2026.

AplicativoDescrição gerada automaticamente com confiança média
Fonte: Banco Central do Brasil

Outro país que teve destaque na contenção da inflação no ano de 2023 é o Paraguai, que tem o seu índice de preços ao consumidor acumulado em 5,3% nos últimos 12 meses, porém, teve a maior deflação entre os países no último mês.

Se ampliarmos o espectro para os países da Europa, veremos que os latino-americanos que estão na zona mediana do nosso ranking — como Uruguai, Peru, Chile e Colômbia — ainda estão no patamar de economias conhecidas como estáveis — como é o caso da Alemanha, da Irlanda e do Reino Unido. 

Infelizmente, a inflação comparável a um país europeu só seria justa quando a capacidade de gerar renda fosse também equivalente,  o que não acontece na realidade latina. Um estudo recente do banco JP Morgan mostra que o PIB da América Latina equivale a apenas 5% do PIB mundial. Ainda, segundo a pesquisa, o PIB per capita um país como a Itália tem, apenas em dezembro de 2021, o valor de US$ 31.506, enquanto os países da América Latina no mesmo período têm:

Fonte: Trading Economics

Na Argentina, a taxa de inflação anual antes da pandemia já estava elevada em 2018 com 47,6% a.a., e em 2019 chegou aos 53,8% a.a. E de certa forma, ela se manteve neste patamar durante a pandemia de COVID. No ano passado e agora, em 2023, a inflação voltou a subir, seguindo a tendência global, e marca mais de 3 dígitos ao ano desde fevereiro, quando atingiu o maior patamar dos últimos 30 anos. 

Além de fatores que geralmente impactam na inflação de todos os países — como a gestão monetária com financiamento por meio de impressão de dinheiro, as políticas fiscais e os desequilíbrios macroeconômicos —, a prática de indexar preços e salários à inflação passada tem contribuído para um ciclo vicioso de aumento de preços na Argentina.

Além disso, a forte dependência de commodities, como a exportação de grãos e carnes, acaba por deixar a economia argentina mais vulnerável em um momento de choque externo e de ajuste de demandas, como o pós-covid e o início da guerra Rússia-Ucrânia.

O fato é que o cenário global tem sido desafiador macroeconomicamente, e, no geral, todos governos sabiam que a inflação seria fatalmente uma conta a ser paga à medida que criassem soluções para a pandemia com o financiamento de políticas públicas e fiscais por meio da impressão de dinheiro. 

Para o próximo trimestre, caso o ciclo de commodities e os outros aspectos globais se mantenham, veremos cada vez mais países saindo deste ciclo de alta e iniciando uma fase de controle da inflação.